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Anorexia Infantil: "Socorro, meu filho não come".

  • Derek Xenofonte | Elma Izze da Silva Magalhães
  • 25 de abr. de 2017
  • 9 min de leitura

A falta de apetite é um problema bastante abordado nas consultas pediátricas. A etiologia da anorexia infantil ou anorexia verdadeira pode ser orgânica, comportamental/ psíquica ou dietética. As causas comportamentais são as mais frequentes e geralmente refletem a dinâmica familiar. O diagnóstico adequado requer anamnese e avaliação clínica/nutricional detalhadas, a partir das quais o foco do tratamento será direcionado. A prescrição de orexígenos tem sido bastante requisitada nas consultas médicas; entretanto, sua indicação deve ser criteriosa e refletir o entendimento do fator etiológico. O acompanhamento nutricional é fundamental para que os pais ou responsáveis recebam orientação adequada quanto às necessidades nutricionais da criança, esquemas e condutas alimentares a serem seguidos.



Introdução "Meu filho não come" é uma das queixas mais frequentes dos pais nas consulta pediátricas1,2. A recusa alimentar pode ser encarada como um fenômeno normal e esperado, desde que não resulte em danos, como retardo no crescimento e/ou deficiências nutricionais. A problemática está no modo como os responsáveis interpretam esta rejeição, pois considerando o fato da alimentação estar ligada à sobrevivência e devido à maior vulnerabilidade da criança, isto pode gerar angústia e conflitos(3). Para a família as dificuldades alimentares representam uma das preocupações mais importantes enfrentadas na infância4. Pais ansiosos desencadeiam uma insistência exagerada, "forçando" a criança a comer, transformando o momento da alimentação numa "praça de guerra", acabando assim por diminuir o prazer da hora da alimentação (2). Como a maioria dos problemas alimentares não se limita apenas à criança, a avaliação e tratamento da queixa "a criança não come" deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar. A intervenção visa tranquilizar os pais, sanando dúvidas e diminuindo a ansiedade e promover modificação no comportamento alimentar da criança, tornando o momento da refeição natural e prazeroso (5). Diante da multiplicidade das questões envolvidas, a abordagem deste problema torna-se complexa, sendo necessário que o profissional de saúde tenha conhecimento e sensibilidade no manejo das situações. Neste contexto, o presente trabalho foi conduzido com o objetivo de revisar os conceitos, causas, diagnóstico e condutas para o tratamento da anorexia na infância, fornecendo uma base para o manejo clínico dessa situação. Método O levantamento bibliográfico foi realizado a partir da pesquisa de artigos nas bases de dados eletrônicas PubMed e SciELO, utilizando para busca os termos anorexia, transtornos do apetite e infância e seus respectivos correlatos em inglês e espanhol. Não se limitou o período das publicações, visando incluir os estudos mais antigos com relevância para o tema desta revisão. Definição e etiologia A recusa alimentar, concomitantemente aos acessos de fúria, pode aparecer na primeira infância, quando surge uma nova demanda por autonomia na criança2. A anorexia "fisiológica" ocorre, na maioria das vezes, entre 6 e 12 meses de idade, acentuando-se ao final do primeiro ano de vida e pode durar cerca de 4 a 5 anos. Este período é caracterizado pela desaceleração no crescimento, o que leva a uma diminuição do apetite da criança. Assim, não se trata de um distúrbio verdadeiro, apesar de muitas vezes ser relatado como tal pelos responsáveis (6). Além disso, nesta fase da vida o interesse pelo alimento é facilmente substituído pela grande quantidade de descobertas que a criança faz ao seu entorno2. Nesta situação a redução do apetite é global, a queixa não tem desencadeante e início bem determinados, não há relatos de distúrbios psíquicos da criança, da mãe, do vínculo entre mãe e filho, ou problemas sociais relevantes, bem como a criança não apresenta alteração no estado nutricional (1,7). A falsa anorexia, por sua vez, sobrepõe-se ao quadro da anorexia fisiológica, exceto pelo posicionamento dos pais ou responsáveis. É caracterizada pela situação na qual, do ponto de vista dos familiares, a criança come pouco, porém apresenta crescimento e desenvolvimento dentro do normal e esperado. Essa situação deve ser imediatamente percebida pelo profissional de saúde, a fim de que a criança não venha a desenvolver anorexia verdadeira (2,6). A pseudo-anorexia é definida como um quadro de recusa alimentar em consequência de dificuldades de mastigação e/ ou deglutição e pode ocorrer devido a presença de aftas, fissura palatina, estomatite, dores dentárias ou outras condições que provoquem dor e sofrimento (8-11). Em alguns casos a criança apresenta recusa total ou parcial a determinados tipos de alimentos, caracterizando a anorexia seletiva ou seletividade alimentar12. Dentre os alimentos mais recusados destacam-se as verduras, legumes e frutas. No seu extremo a situação é bastante característica; contudo, em virtude do paladar e das preferências alimentares entre as crianças saudáveis, o quadro torna-se impreciso. Muitos pais e responsáveis descrevem suas crianças como seletivos, apesar de as mesmas não apresentarem prejuízo no estado nutricional, horários e práticas alimentares (6). Por fim, a anorexia infantil ou anorexia verdadeira define aquela criança que não ingere, espontaneamente, uma quantidade suficiente de alimentos para seu adequado crescimento e desenvolvimento. As condições que levam à recusa alimentar, na anorexia verdadeira, podem ser de origem orgânica, comportamental/psíquica ou dietética (8-11) (Figura 1). Figura 1 - Etiologia da anorexia infantil ou verdadeira

As causas comportamentais são as mais frequentes e geralmente mais difíceis de serem tratadas, uma vez que são determinadas, na maioria dos casos, por erros de concepção e conduta dos próprios responsáveis. Isso ocorre devido à falta de conhecimento sobre as necessidades nutricionais da criança, de acordo com sua faixa etária, bem como por desconhecimento das etapas do desenvolvimento emocional e comportamental infantil (2). Diagnóstico e tratamento Diante de uma queixa "meu filho não come", a primeira observação a ser feita deve ser em relação ao peso da criança. Se a evolução do peso em relação à estatura e idade for menor do que a esperada nas curvas de crescimento trata-se de anorexia verdadeira, como definida anteriormente. Por outro lado, se a criança apresenta crescimento e desenvolvimento normais, trata-se de falsa anorexia, que pode refletir a preocupação excessiva dos familiares em querer impor superalimentação. Assim, durante a consulta a atitude dos responsáveis frente ao problema deve ser observada, bem como o tipo de relação que mantêm com a criança. A detecção de achados clínicos específicos levará a suspeitas diagnósticas de patologias determinantes da anorexia, sendo, algumas vezes, necessários exames laboratoriais para melhor esclarecimento (2). O tratamento da anorexia infantil deve considerar a etiologia do problema. As causas orgânicas identificadas serão tratadas de acordo com protocolos pediátricos específicos (2,13). Quanto à anorexia de origem comportamental, o tratamento visa principalmente à recuperação do prazer da criança em alimentar-se, além de restabelecer seu estado nutricional. Em situações extremas, como problemas graves na dinâmica familiar ou distúrbios emocionais sérios, torna-se necessário o encaminhamento a um psicoterapeuta (2,8). Conduta médica A prescrição de orexígenos é frequentemente requisitada pelos pais (e avós), juntamente com suplementos de vitaminas e minerais3,11,14,15. Os medicamentos mais utilizados como estimulantes do apetite são os anti-histamínicos (cipro- -heptadina e buclizina), dos quais geralmente a indicação de uso é entre meia e uma hora antes da refeição6. As substâncias anti-histamínicas e inibidoras da serotonina agem sobre os centros nervosos, provavelmente por causarem hipoglicemia, levando, assim ao aumento do apetite (16). A eficácia dos estimulantes do apetite ainda é questionada na literatura, devido à variabilidade dos resultados dos estudos17,18. Desta forma, é preciso avaliar para quem e em quais condições são administrados. Em casos de apetite diminuído em consequência de estados carenciais observa-se uma melhoria do apetite pouco significativa. Assim, devem ser considerados coadjuvantes ao processo de reeducação da família e da criança em relação às condutas alimentares (6,19). É importante destacar que a deficiência de algumas vitaminas e minerais, como vitamina B1, vitamina C, vitamina B12, ácido fólico, ferro, zinco, cobre e magnésio, pode levar à falta de apetite. Deste modo, é necessário que o pediatra esteja atento a essa avaliação (12,15). Conduta nutricional O nutricionista deve proceder a uma anamnese rigorosa e detalhada em todos os aspectos, bem como a história alimentar deve incluir questões importantes, como: tipos de alimentos oferecidos, como são oferecidos, intervalo entre as refeições, quem alimenta a criança, como ocorreram a amamentação e o desmame, quando e como foi notado o início do problema. Além disso, a realização do exame físico é fundamental para a verificação de sinais clínicos relacionados a uma nutrição inadequada (2). A avaliação antropométrica para verificar o comportamento da curva de crescimento em função da idade, é um recurso interessante para tranquilizar os responsáveis, que devem estar cientes de que se a criança está evoluindo dentro do esperado, provavelmente seu consumo seja suficiente, embora muitas vezes não esteja qualitativamente adequado20.A conduta nutricional adotada nos casos de anorexia infantil é baseada nos princípios da preservação do apetite. De um modo geral, é fundamental que os pais ou responsáveis recebam orientação adequada quanto às necessidades nutricionais da criança, esquemas e condutas alimentares a serem seguidos2. Algumas orientações frente a situação de anorexia na infância (8,21-24): - Respeitar as preferências alimentares. Em caso de rejeição, substituir o alimento recusado por outro do mesmo grupo nutricional; - Compreender que ao final do primeiro ano de vida a velocidade de crescimento da criança diminui e, consequentemente, o seu apetite; - Não trocar atenção e carinho pela alimentação; - Não recorrer à chantagem para forçar a criança a comer; não oferecer recompensas nem fazer ameaças à criança; - Evitar artifícios para estimular a alimentação, tais como: "aviãozinho", televisão, "disfarçar alimentos", ficar andando ou fazendo coisas que distraiam a criança; - Colocar uma pequena quantidade no prato e oferecer mais se a criança pedir; - Determinar horários regulares para as refeições; - Fazer intervalos de duas a três horas, no mínimo, entre as refeições, não oferecendo nada durante esses intervalos. Conclusões Considerando que a falta de apetite tem sido uma queixa frequente nas consultas pediátricas, o conhecimento e a atualização dos conceitos, causas, bem como das condutas diagnósticas e terapêuticas, é essencial para um manejo adequado da anorexia na infância. A anorexia infantil ou anorexia verdadeira tem etiologia multifatorial, podendo ser de origem orgânica, comportamental/ psíquica ou dietética. As causas comportamentais são mais frequentes e geralmente refletem o contexto e a dinâmica familiar em que a criança se insere. Em alguns casos as crianças e os responsáveis devem ser encaminhadas para acompanhamento psicológico. Para um diagnóstico adequado é necessária a condução de anamnese e avaliação clínica/nutricional detalhadas para o reconhecimento das causas da anorexia, a partir das quais o profissional irá direcionar o tratamento. A prescrição de orexígenos tem sido bastante requisitada nas consultas médicas pelos pais ou responsáveis; contudo, sua indicação pelo pediatra deve ser criteriosa e refletir o entendimento do fator etiológico. O acompanhamento nutricional é fundamental para a identificação de carências nutricionais bem como para o recebimento de orientações adequadas no tocante às necessidades nutricionais da criança, esquemas e condutas alimentares a serem seguidos no âmbito familiar.



Bibliografia

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